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segunda-feira, 25 de julho de 2011

QUESTÕES TEÓRICAS SOBRE CLIMA E A EVOLUÇÃO DAS NOVAS CONCEPÇÕES


O clima ainda consiste num elemento de difícil definição. Para a escola tradicional baseada no conceito defendido por Hann no final do século XIX; Koppen (1948); Ayoade (1986) e outros pesquisadores desta vertente, o clima acaba sendo definido como a síntese de médias térmo-pluviométricas num dado lugar durante um período de aproximadamente 30 anos. A este respeito afirma Mendonça (2007):
Os clássicos conceitos de clima (climate, climat) revelam a preocupação com a apreensão do que seja a característica do clima em termos do comportamento médio dos elementos atmosféricos, tais como a média térmica, pluviométrica e de pressão [...] internalizam também a determinação temporal cronológica para a definição de tipos climáticos, de onde as médias estatísticas devem ser estabelecidas a partir de uma série de dados de um período de 30 anos (Mendonça, op cit., p.14).Para Sorre (1934), a definição tradicional prende-se ao uso excessivo de médias aritméticas, tornando-se pouco precisa, ao passo que aprecia a atmosfera como uma unidade estática.
De acordo com Mendonça (op cit., 2007), a base metodológica para análise do clima passou a sofrer mudanças significativas à partir do momento em que:
[...] engrendou  a análise da dinâmica do ar e evidenciou a necessidade do tratamento dos fenômenos atmosféricos que ocorrem de forma eventual ou episódica, pois observou que são estes os que causam maior impacto às atividades humanas em geral. A análise climática embasada nas condições médias dos elementos atmosféricos revelou-se insatisfatória [...] Foi nesse contexto que o tratamento do clima, segundo uma cadência rítmica de sucessão de tipos de tempo, tornou-se evidente e necessário a uma abordagem genética dos tipos climáticos (Mendonça, op cit., 2007, p.15).
Segundo Girão et al. (2003), foi a partir da década de 1970 que os estudos da Climatologia Dinâmica começaram a se contrapor efetivamente aos princípios da Climatologia Regional, opondo-se ao uso excessivo de médias aritméticas empregadas na definição e reconhecimento dos diversos fenômenos climáticos. Em contrapartida, foram iniciados diversos estudos que abordaram, sobretudo a participação de mecanismos de circulação atmosférica primários ou secundários, dentre eles as Massas de Ar e as Frentes Frias, Cavados, Brisas Marinhas e outros.
A partir de então, passou-se a entender que a atmosfera terrestre revelava fenômenos de ordem muito mais complexa, comportando-se de forma, muitas vezes imprevisível, haja vista a complexa dinâmica de seus elementos que se organizam em teia sistêmica, revelando sua forte complexidade no âmago da ecosfera e diversas outras esferas terrestres (Caracristi, 2004, p.18).
Outros autores além de Sorre a exemplo de, Pedelaborde (1970); Geiger (1961); Stralher (1971); Monteiro (1971) e  Mendonça (2007) propõem a concepção da Climatologia Dinâmica, indicando o ritmo como elemento indispensável a compreensão do clima e dos mecanismos que regem seu funcionamento. No Brasil, as maiores referências acerca desta abordagem estão presentes nos trabalhos de Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro: (Análise Rítmica em Climatologia, 1971),  (A climatologia do Brasil ante a renovação atual da Geografia: Métodos em questão, 1973) e (Teoria e clima urbano, 1976), voltadas sobretudo a análise do clima urbano.
A análise rítmica consiste em uma nova abordagem metodológica empregada no estudo dos fenômenos atmosféricos. Sua base parte da análise diária de dados climatológicos em confronto com as abstrações médias, conforme afirma Monteiro (1971): “Apenas a partir da escala diária é possível associar à variação dos elementos do clima os tipo de tempo que sucedem segundo os mecanismos de circulação regional”. Para o mesmo, o ritmo consiste na sucessão de estados atmosféricos habituais e seus diferentes graus de distorções, dispensando quaisquer critérios de avaliação pelos totais anuais. De acordo com Mendonça (2007), a análise rítmica torna-se viável, ao passo que “permite evidenciar tanto os fenômenos e estados mais repetitivos quanto aqueles que ocorrem de modo mais raro ou mais extremo”.
Esta forma de análise do clima advém da herança defendida por Sorre (1951), quando definiu o estudo do clima a partir de uma série de dados da atmosfera e uma sucessão habitual em determinada localidade.
A análise rítmica, também consiste num ótimo instrumento para a análise das relações entre sociedade e natureza, ao passo que se insere dentro das novas abordagens metodológicas da Climatologia Dinâmica associadas ao estudo da Geomorfologia Dinâmica, conforme afirma Monteiro (op cit.):
[...] Esse conceito revela a ligação da Climatologia com a abordagem geográfica do espaço terrestre, pois ela se caracteriza em um campo do conhecimento no qual as relações entre a sociedade e a natureza configuram-se como pressupostos básicos para a compreensão das diferentes paisagens do Planeta [...] entre outros. Ela revela-se bastante importante para a identificação de tipos de tempo, particularmente dos desastres naturais (natural hazards), ou de episódios climáticos que fogem muito do estado normal do clima de um determinado lugar (Monteiro, op cit., p.21).
Girão et al. (op cit.) também destaca a importância dos estudos voltados aos riscos ambientais em sua pesquisa (Influência da Climatologia Rítmica sobre Áreas de Risco: O Caso da Região Metropolitana de Recife para os Anos de 2000-2001). Outros estudos também se destacam neste cenário, a exemplo de Rodrigues (2005) e Girão (2007).
Com isso, essa visão consiste num excelente subsídio metodológico para o estudo dos riscos, sobretudo daqueles inseridos no meio urbano, auxiliando no estudo do planejamento urbano-territorial e na criação de políticas de gestão em vista de uma melhor qualidade de vida e expansão ordenada das cidades (Corrêa et al., 2006).
Dentre vários conceitos ligados a Climatologia Dinâmica, deriva-se a visão de Microclima. Geiger (1961), o conceitua como uma espécie de “clima reduzido”, proveniente da interação com a camada de ar junto ao solo. Para Carbonneau (1984) o microclima varia de acordo com as condições climáticas de uma superfície realmente pequena, subdividindo-a em dois tipos: os microclimas naturais que variam numa superfície de 10 a 100 m e o microclima da planta, caracterizado por variáveis climáticas medidas através de aparelhos instalados na própria planta. Sorre (1934) defende que a noção de microclima não representa o resultado de uma análise dissociada da noção de clima local, embora Carbonneau (op cit.) enquadre esta noção numa visão mais ligada ao conceito de mesoclima. Contudo, ambas estão dissociadas da ótica da Climatologia Regional, derivada das correntes conservadoras da Climatologia.
Frente ao que foi dito sobre os diversos estudos dedicados a evolução do conceito de clima e de suas diversas vertentes e conceitos, entende-se que ainda existe um longo caminho para o alcance de um conceito concludente. Isto se dificulta ainda mais, mediante a imprevisibilidade dos fenômenos atmosféricos e de circulação geral da atmosfera, exigindo dos pesquisadores maior desdobramento, utilizando o auxílio de novas técnicas e metodologias empregadas nesta análise, dentre elas a análise rítmica.
Nesse sentido, é importante salientar a contribuição dos diversos autores ligados a climatologia tradicional, tendo em vista que suas contribuições abriram e abrem diversos caminhos para incentivar a análise mais precisa do comportamento climático.

domingo, 19 de junho de 2011

UMA BREVE REFLEXÃO A RESPEITO DAS TEORIAS GEOMORFOLÓGICAS


As teorias geomorfológicas fazem parte de um campo conceitual extremamente importante para o estudo da Geomorfologia. Os diversos postulados elaborados desde o inicio dos estudos geomorfológicos até a atualidade são relevantes para a compreensão da formação do relevo e de sua relação com ação antrópica, na atualidade. Deve-se levar em consideração que, tais teorias foram elaboradas sem levar em conta esta atual realidade, isto é, a capacidade que o homem tem em modificar o meio.

Para os geógrafos, torna-se de extrema importância o aprofundamento no conhecimento destas relações, pois a Geomorfologia consiste num excelente campo de análise entre os fatores antrópicos e naturais, sobretudo àqueles ligados a construção da superfície terrestre. A compreensão da evolução do relevo gera subsídios para o entendimento dos processos que ocorrem na superfície terrestre e, consequentemente, para a realização de estudos ambientais, ao passo que a morfologia terrestre comporta a maioria dos seres vivos. 

Teoria do ciclo geográfico (Willian Morris Davis)

A teoria proposta por William Morris Davis apresenta uma concepção finalista sistematizada na sucessão das formas de um ciclo ideal conforme descreve Christofoletti (1998). Este modelo teórico se apóia na elaboração de três fases no processo de evolução do modelado terrestre: a juventude, maturidade e senilidade, podendo retornar novamente a uma fase de juventude através de movimentos epirogenéticos caracterizando um processo de rejuvenescimento do relevo. Esta visão baseia-se nas áreas temperadas úmidas que se desenvolve sobre as chamadas fases antropomórficas comparando a evolução do relevo aos estágios da vida humana.

Os processos principais deste ciclo apresentam-se através do desenvolvimento das seguintes etapas:
  • Processo denudacional iniciado pela emersão e surgimento de massas continentais.
  • Atuação do sistema fluvial no entalhamento dos talvegues originando diversos canyons.
  • A partir do entalhamento do talvegue o rio caminha rumo a um perfil de equilíbrio, caminhando orientado pelo nível de base onde a drenagem não erode nem deposita.
  • Por fim, o entalhamento produz nas vertentes desmoronamentos e ravinamentos surgindo uma topografia de colinas.
Vale ressaltar que, uma das lacunas deixadas por essa teoria reside exatamente na consideração do sistema fluvial como agente determinante, sem considerar outros fatores como decisivos na evolução e gênese do relevo.

Todo este processo desenvolve-se por meio da erosão remotante que consiste no “[...] trabalho de desgaste feito de jusante para montante, ou seja, da foz para a cabeceira do rio” (Guerra, 1989, p.159).

Após este processo temos o período da maturidade que se caracteriza por uma estabilidade tectônica. Diminuindo o ritmo da erosão linear as vertentes se alargam e a declividade diminui (Christofoletti, 1980). neste momento ocorre uma horizontalização topográfica.

Na fase da senilidade temos a “sucessão de colinas rebaixadas, cobertas por um manto contínuo de detritos intemperizados e separados por vales com fundo largo” (Christofoletti, 1980, p.162), formando o que denomina-se de peneplanícies, termo que designa uma superfície aplainada com leves ondulações originária de áreas temperadas úmidas. Isso demonstra um período onde o relevo apresenta formas predominantemente aplainadas, pronto para a execução de um novo ciclo a partir de um movimento epirogenético e a conseqüente quebra da estabilidade tectônica.

Teoria da pediplanação (Lester King)

De acordo com Ross (1991) a teoria da pediplanação, se baseia no principio da atividade erosiva desencadeada por processos de ambientes áridos e semi-áridos com a participação dos efeitos tectônicos, elaboradas ao longo do tempo em diferentes níveis. Nesta teoria, os soerguimentos de caráter epirogenéticos são decisivos.

Diferentemente da visão davisiana os estudos de King desenvolveram-se apoiados em áreas de clima árido e semi-árido.

Essa interpretação apóia-se na teoria de que nas áreas tropicais e subtropicais os climas alteram-se de áridos e semi-áridos para quentes e úmidos em contraposição ás áreas e periglaciais em que os climas alteram-se em períodos glaciais e interglaciais úmidos”. (Ross, 1991, p.26)

O principal ponto desta teoria geomorfológica repousa na formulação do chamado recuo paralelo das vertentes, conceito que se contrapõe a visão de Davis, pois afirma que o processo de erosão ocasiona o recuo das vertentes sem que haja perda de sua declividade ou inclinação de seu “knic”.

Conforme (Casseti, 1994, p.42), o processo que envolve o recuo das vertentes é acompanhado de um ajuste isostático:

Como se sabe, a crosta interna é constituída de silicatos de magnésio, razão pela qual é conhecida como sima, ao passo que externa, de densidade inferior, é representada por silicatos de alumínio sial [...] o sial flutua sobre o sima [...] refletindo numa acomodação operada em profundidade. Assim a parte elevada, submetida à erosão, sofre um alívio de carga, que é contrastado pela subsidência gerada pelo material depositado. Essa diferença resulta em acomodação isostática, que por sua vez origina degraus topográficos [...]

Este processo cria depósitos de sedimentos correlativos que geram pediplanos embutidos.

O modelo de King não estabelece um nível de base geral, ao contrário, propõem um nível de base local ou regional sem que necessariamente seja o nível marítimo, o que desconsidera os períodos glaciais e inter-glaciais no tocante à sua atuação e participação no processo de elevação do nível do mar. Na visão davisiana este processo interferiria bastante nos níveis de erosão local.

Perfil de Equilíbrio (Surrel)

Dentre as várias contribuições que auxiliaram na evolução nas discussões a respeito das teorias geomorfológicas, temos o postulado de Surrel, que definiu o perfil de equilíbrio das drenagens. De acordo com Surrel o perfil de equilíbrio consiste no ponto máximo da ação erosiva.

Na visão davisiana, o nível de base consiste no “ponto limite abaixo do qual a erosão das águas correntes não pode trabalhar, constituindo o ponto mais baixo a que o rio pode chegar [...] O nível de base geral de todos os rios é o nível do mar.” (Guerra, 1989, p.303).

Contrapondo-se a visão do ciclo geográfico, o principio da pediplanação de King apresenta níveis de bases locais e regionais sem necessariamente acoplá-lo a um nível geral, relacionado ao nível do mar. Isto opõe a visão de Davis quando o próprio afirma que, ao longo da história geológica os períodos de oscilações climáticas interferiam diretamente na ação erosiva devido a oscilação marinha, já que o perfil de equilíbrio caminha rumo a ação máxima erosiva baseada no nível de base.

Outra contribuição importante é a de Gilbert, que definiu princípios como: declividade (as maiores declividades são encontradas próximas ao topo, estando diretamente ligada a inclinação da vertente), estrutura (dureza da rocha) e divisores. Estes princípios nortearam muitos pensamentos ulteriores, contribuindo para definição das mais variadas teorias no campo de estudo da Geomorfologia.

Voltados a este aspecto, apresentam-se os estudos da escola alemã iniciados por Humboldt e Richthofen, os quais tiveram uma contribuição substancial para as formulações de W. Penck. Esta visão apóia-se em três elementos: os processos exogenéticos, endogenéticos e os processos decorrentes dos anteriores, que podem ser chamados de feições atuais da morfologia.

Neste aspecto, a Geomorfologia Climática estuda a relação da zonalidade climática e o relevo, estabelecendo assim as zonas ou domínios morfoclimáticos sem desconsiderar os outros fatores.

No Brasil o geógrafo Aziz Ab’Saber, baseando-se nesta visão, determinou os domínios morfoclimáticos, tendo este, grande influencia davisiana. De modo que, as influências litológicas são pouco consideradas, ocasionando uma lacuna vazia em suas análises.

[...] Percebe-se assim, que a tônica da interpretação geomorfológica passa a ser a correlação da tipologia do modelado com os processos denudacionais influenciados pelos diferentes tipos climáticos e coberturas vegetais, onde se combinam os fatores ligados à alteração físico-química das rochas de um lado e o desgaste erosivo das águas correntes, geleiras, oceanos e ventos, de outro (Ross, 1991, p. 24)

Pode-se dizer que esta interpretação resume-se em: tipos de relevos, tipos climáticos e cobertura vegetal alterados pelas ações físicos químicas e o conseqüente desgaste erosivo pelos fatores externos.  

A teoria do equilíbrio dinâmico (Hack)

Proposta por Hack, chamada de Teoria do equilíbrio dinâmico baseia-se inteiramente na concepção sistêmica do meio ambiente, tendo como “principio básico o entendimento de que o ambiente natural encontra-se em estado de equilíbrio, porém não estático, graças ao mecanismo de funcionamento dos diversos componentes do sistema [...] sendo, portanto entendida pela funcionalidade na entrada de fluxo de energia no sistema que produz determinado trabalho”. (Ross, 1991, p.26).

Conforme Christofoletti (1980), “a teoria do equilíbrio dinâmico baseia-se num comportamento balanceado entre os processos morfogenéticos e a resistência das rochas, e também leva em consideração as influencias diástroficas na região”.

Contribuição Soviética e o Mapeamento Geomorfológico

O mapeamento geomorfológico realizado pelos pesquisadores da escola soviética, consiste numa ferramenta de tamanha utilidade para a execução de diagnósticos ambientais e conseqüentemente nas ações de planejamento. No entanto, esta visão deixou uma lacuna conceitual e metodológica durante muito tempo.

Isto ocorreu, pois nos estudos da cartografia geomorfológica soviética desprezava-se o fator estrutural em relação ao escultural ou vice versa, tendo como resultado uma carta que, regra geral, voltava-se a tão somente um dos aspectos citados.

Através das contribuições da escola soviética, criaram-se então os conceitos de morfoescultura e morfoestrutura, importantíssimos para o desenvolvimento da Geomorfologia atual.

Deste modo, as morfoestruturas são grandes conjuntos resultantes dos agentes internos, basicamente correspondendo a formas grandes da superfície. Enquanto as morfoesculturas são conjuntos resultantes dos agentes externos e correspondem a formas pequenas da superfície e por vezes grandes.

REFERÊNCIAS

CASSETI, V. Elementos de Geomorfologia. Goiânia: Editora UFG, 1994.

CHRISTOFOLETTI, A. Geomorfologia. São Paulo: Edgard Blucher, 1980.

GUERRA, A. T. G. Dicionário geológico e geomorfológico. Rio de Janeiro: IBGE, 1989.

ROSS, J. L. S, Geomorfologia, Ambiente e Planejamento, in Editora Contexto. São Paulo, 1991.